domingo, 6 de dezembro de 2009

Dezembro



Queridos leitores, tenho o prazer de anunciar que dezembro chegou. Ao contrário de muitos, que ficam pra baixo nessa época do ano, eu fico cheia de gás. Adoro.

Pra começar, vêm os aniversários. Na minha família, 4 são de dezembro, incluindo eu. Durante muito tempo, eu não admitia que adorava comemorar aniversário. Acho que, no fundo, eu tinha medo de não me sentir suficientemente querida naquele dia. Mas depois fui percebendo que muitas vezes, pessoas que te querem muito bem também podem se esquecer de seu aniversário. Não dá pra achar que se é o centro do universo, e normalmente as pessoas têm uma rotina pesada, principalmente no fim do ano. Então fui desvinculando uma coisa da outra. E resolvi que, se era tão importante pra mim, eu que tratasse de lembrar as pessoas queridas, convidando pra se reunirem comigo no meu aniversário, e aí sim eu teria oportunidade de rever quase todas elas, abraçá-las e me sentir querida, que afinal é o que todos querem na vida.

Passando os aniversários, vêm as formaturas e confraternizações de fim de ano. E eu, que amo festa, nado de braçada. Acho tão emocionante a gente ver as pessoas vencendo mais uma etapa da vida. Celebrar é preciso. Gosto especialmente da época porque sinto no ar uma vibração diferente. Sinto que, talvez pela proximidade de um fim (no caso, o fim do ano), o sentimento de humanidade vem à tona. O sentimento fraternal de sermos essencialmente iguais e de estarmos todos no mesmo barco é muito reconfortante, e faz com que queiramos dividir experiências e celebrar juntos. Isso nos fortalece como seres humanos; nos dá força pra enfrentarmos o fato de que as coisas têm um ciclo, que nós somos finitos e que precisamos uns dos outros, já que fazemos todos parte de uma mesma engrenagem, que só funciona direito se as peças estiverem encaixadas e unidas. As pessoas ficam mais reflexivas, e isso é ótimo. Nada como uma boa análise do que foi feito pra gente lidar com nossos erros, ficarmos predispostos a mudar o que tem de ser mudado e satisfeitos com os acertos. E é nesse ponto que eu acho que acontece o erro de algumas pessoas. Em vez de ficarem felizes com o que fizeram e ganharam, ficam tristes com o que não fizeram, e essa melancolia acaba cegando o olhar, que acaba não conseguindo ver as luzes do Natal, que no meio de tudo isso, acaba chegando.

Este ano, especialmente, eu comecei a entrar nessa, um pouco antes da hora. No meu caso, acho que junta o aniversário com o fim do ano, o que proporciona um balanço ao quadrado. Comecei a sentir uma sensação ruim, ainda no mês de novembro, de incompetência, de não ter conseguido fazer tudo o que me propus a fazer. Principalmente porque no ano passado eu tinha feito tanta coisa: casei, defendi minha tese de doutorado, fiz duas mudanças de casa, viajei etc. Aos poucos, porém, fui acalmando e me lembrei que a vida acontece em ciclos: tempo de plantar e tempo de colher. E pensando bem, esse ano pra mim foi um ano de semeadura. Ao contrário de 2008, que foi regido por Marte, que impulsiona a ação, 2009 foi regido pelo Sol, que impulsiona a reflexão. Sem dúvida, é um processo dialético. Toda ação deve ser seguida por uma reflexão sobre tal ação, que por sua vez antecede uma nova ação. E são etapas igualmente importantes. A qualidade da ação vai ser determinada pela qualidade da reflexão, assim como a qualidade da fruta vai ser determinada pela qualidade da semente e do processo de semeadura. Neste ponto, eu me acalmei. Percebi que o resultado da ação reflexiva só é percebido com o coração, e não pode ser mensurado. Percebi o quanto hoje estou mais calma e mais tolerante. O quanto aceito mais as coisas que não podem ser mudadas. Percebi que estou mais em paz com a minha natureza. Percebi que estou aceitando com cada vez menos culpa os presentes que a vida me dá. E me lembrei que fiz o meu blog, que por si só já valeu tudo que não fiz no ano, tamanho o bem que me faz colocar minhas reflexões no papel – o que não deixa de ser uma ação também.

Então, me permiti curtir meu fim de ano e meu Natal. E como eu gosto de Natal! Vermelho, branco, dourado e verde dão cor à minha realidade e me remetem à minha infância. Me lembro de como eu ficava entusiasmada com todo esse cenário, e da minha ansiedade com a vinda de Papai Noel. Minha fé era cega. E, graças a Deus, meus pais sempre fizeram questão de preservar este encantamento. Lembro das brigas que cheguei a entrar pra defender a existência do Bom Velhinho. E não adiantava outra criança falar que viu os pais colocando os presentes na árvore, que eu e minhas irmãs falávamos que é claro que tinham visto, porque Papai Noel só dá presente pra quem acredita nele! Foi preciso meu pai me contar (sei que a contragosto, mas é a vida...), vestido de Papai Noel (e eu já ia pra 5ª série!), pra eu acreditar que quem me dava os presentes eram ele e minha mãe. E foi uma choradeira! Me lembro como se fosse hoje do meu espanto e da minha frustração, e de ter ido dormir soluçando. Por que Papai Noel não poderia caber nesse mundo? Será que ele era tão grande assim? Ou o mundo que era tão pequeno?

Passados mais de 20 anos, posso confessar que, no fundo, e a despeito da descrença quase geral, nunca deixei de acreditar em Papai Noel. Tenho certeza de que ele vem todo fim de ano, com um saco cheio de presentes, que eu vou abrindo ao longo do ano, que é pra estender esse gostinho. E é tanta coisa boa, que é por isso que fico tão animada quando chega o fim do ano. E quanto melhor eu tenha sido ao longo do ano, melhores são os presentes. Na verdade, a senha pra ele passar na sua casa é acreditar. Na magia. No sonho. Na vida. Que temos um Pai que sempre nos dá exatamente aquilo que pedimos – aliás, Ele sempre nos escuta. Pra alguns, ele é conhecido como Deus. Mas é muito mais gostoso pensar Nele vestido de vermelho e branco e com um saco cheio de presente. Voando em um trenó e entrando na nossa casa pela chaminé ou pelo buraco da fechadura. Sim, Ele cabe no mundo – mas só se a nossa alma for grande o suficiente pra abrigá-Lo. Porque, afinal, o mundo tem sempre o tamanho da nossa alma.

Agora, feche os olhos. Sinta a magia da vida. Busque na infância seus melhores sentimentos. Visualize um mundo de Paz, Amor e Misericórdia. Sinta a Força que te protege e te ajuda a realizar seus desejos. Acredite, do fundo do coração, que você é merecedor de todas as coisas boas que acontecem na sua vida, do perdão pelo que você se arrependeu de ter feito e de uma nova chance. Agora abra os olhos. Veja as luzes. E Feliz Natal.

domingo, 29 de novembro de 2009

Foi apenas um sonho

Um jovem e uma jovem estão em um bar em uma cidadezinha. Seus olhares ávidos se cruzam e imediatamente se reconhecem, e se encantam por verem seu reflexo brilhando nos olhos do outro. A partir daí, é fácil supor o que acontece. E acontece mesmo, só que as coisas não têm um final feliz.

Se fosse hoje, poderia ser você. Ou eu. Só que a história se passa na década de 50, nos Estados Unidos. É o roteiro de “Foi apenas um sonho”, dirigido por Sam Mendes, e que esteve em cartaz nos cinemas no começo do ano. Perdi no cinema e peguei outro dia em DVD. Adorei tudo: os atores (Leonardo di Caprio e Kate Winslet) estão muito bem, revelando sinais de maturidade aliados ao vigor físico da juventude, o que confere mais força e agudeza às suas interpretações. A direção também encanta, pela precisão dos ângulos, pelos enquadramentos, pela facilidade em dizer com imagens o que poderia estar sendo dito com palavras. Mas o que me impressionou mesmo foi o roteiro.

Voltando ao começo: os jovens começam a conversar no bar, e descobrem que têm várias coisas em comum – sendo a ânsia de vida e movimento a principal delas. Ambos são irreverentes e mostram seu inconformismo com as coisas previsíveis e com as pessoas que esperam muito pouco da vida. Eles se casam e começam a ter, então, a mais tradicional das vidas de casados. O marido trabalha em um emprego maçante, mas que garante o sustento da família. A esposa é dona de casa e atriz frustrada. Vivem em uma cidadezinha entediante e têm uma rotina bastante previsível. E assim, abafando seus sonhos, eles começam a desenvolver sintomas de desgaste: o marido começa a sair com outras mulheres, a esposa começa a ser agressiva com o marido após o fracasso da peça de teatro que tenta estrelar. Ambos começam, no fundo, a acreditar que foi o casamento o assassino dos sonhos.

Só que sonhos são treteiros: eles não se amansam facilmente, e quase nunca morrem. Podem até se transformar, mudando de face de vez em quando, mas desde que sua convivência conosco seja pacífica. E como a vida real dos personagens e seus sonhos não chegaram a um acordo e estavam disputando o mesmo espaço, o sonho ganhou a briga. O casal resolve mudar. Pra Paris. Afinal, Paris é uma festa.

Então, os dois começam a ver a vida com outros olhos, de esperança e sonho, e começam a se organizar para a mudança. O casamento fica bom de novo, e os dois parecem bem felizes. No meio de tudo isso, porém, ela descobre estar grávida. Aí, seu mundo desaba. A realidade, que seria cada vez mais concreta, é que ela tinha um filho na barriga. O que fazer, então, com o sonho?

Acontece o inevitável: o marido fica sabendo da gravidez, e decide que eles não vão mais pra Paris. Como ir com 2 filhos pequenos e outro a caminho, sem garantia nem de trabalho? A esposa não agüenta tanta frustração, e cai numa profunda depressão. Desesperada, vendo seu sonho escapar e se sentido impotente, resolve fazer um aborto. Assim, nada nem ninguém iria detê-la em sua determinação de mudar de vida. Entretanto, seu marido não podia saber de seus planos, e tudo deveria sair como se o aborto tivesse sido espontâneo.

É claro que tudo dá errado: durante o aborto, que fez quando estava sozinha em casa, ela teve uma hemorragia, que não parou de jeito nenhum. E acontece o pior: ela morre.

No final, o filme deixa um nó na garganta e uma pergunta, incômoda e muitas vezes cruel: o que fazer com nossos sonhos?

Vamos por etapas. Quando somos crianças, os sonhos são postos em prática: brincamos de ser. Somos quem queremos ser. À medida que vamos crescendo, percebemos que há possibilidades reais de sermos quem queremos ser: é aquela fase mágica, de ouro, quando começamos a tomar providências pra transformar os sonhos em realidade. Nessa época, sentimos que temos a vida inteira pela frente, e temos a certeza de que tudo vai sair como queremos. Até que um dia entramos no mundo dos adultos, quase sempre ainda sem a vida ter nos transformado em um deles. Percebemos que as coisas nem sempre são do jeito que queremos que sejam. Percebemos que entre a realidade e o sonho existe uma distância considerável. E nem sempre nos sentimos aptos a minimizar essa distância.

Então, muitos entram por um caminho desastroso: tentam se convencer que sonho é antônimo de realidade, sendo, portanto, uma bobagem levá-lo em consideração. Ficam com medo de não conseguirem realizar suas vontades, e entram para o caminho do comodismo – o que, aliás, é bem tentador. Quem nunca se viu tentado a abandonar a faculdade, a se mudar de cidade ou a largar o emprego quando sabiam estar percorrendo o caminho do sonho, só porque percebeu que as dificuldades eram muitas? Só que o prazer de se contentar com o que é cômodo e fácil é só imediato. No médio prazo, as coisas se complicam muito. E começam as implicâncias e amarguras. Se você queria ser atriz e não tentou o bastante, até Meryl Streep, pensando bem, não é tão boa assim: teve foi sorte, isso sim. Se você queria ter se separado e não se separou por covardia, todas as mulheres divorciadas são umas devassas inconseqüentes. Se você queria ter tido um filho e não foi fundo na ideia, que importância tem? Afinal, criança cresce e a gente fica sozinha do mesmo jeito.... Mas infelizmente, a mágoa no peito só tende a aumentar, e vira quase um buraco negro. Vai sugando toda a energia boa dos outros, e a pessoa começa a ficar muito incomodada com a felicidade alheia, e tenta fingir se esquecer de que para conseguir chegar aonde chegaram, tiveram um caminho difícil a percorrer. Essas pessoas alvo da inveja fizeram o caminho inverso: se privaram de muitas coisas no curto prazo, em nome de uma sensação duradoura de felicidade.

Esse, aliás, é, de todos os caminhos, o único indicado. É garantia de um olhar mais terno pro mundo, incluindo a própria vida e a dos outros. E pode ter certeza de que, se não der certo, é porque você não quis tanto assim. E aí, uma boa análise resolve bem, e te ajuda a convencer que o que você quis foi a vida que você tem. Se a gente deseja algo do fundo do coração, a gente só não consegue se algum decreto cármico determinar que aquele caminho não é o seu. É claro que não dá pra realizar um sonho integralmente, e que muitas vezes a realidade é muito cruel, colocando barreiras que algumas vezes são mesmo intransponíveis. Mas até nesses casos, o que importa é sentir que estamos seguindo em frente. E ver o que é essencial em cada sonho. Claro que se a pessoa sofre uma forte limitação física muitas vezes não dá pra ser bailarina, mas se a dança desperta mesmo uma paixão tão grande, não precisa abrir mão dela. É possível adaptar as coisas. Quem sabe não dá pra ser coreógrafa? Trabalhar com pesquisa ligada à dança? Ser crítico de dança? Escrever um blog sobre o assunto? Enfim, não dá pra não tentar ser feliz. A vida sempre joga nossa covardia na cara.

No filme, o preço pago pela protagonista por ter sufocado seus sonhos e se contentado com o papel de esposa foi muito alto. A certa altura, a esposa se sentiu tão sufocada, que quis trocar a realidade pelo sonho sem escalas. Aliás, pela fantasia. Ela quis ser outra pessoa, ter outra vida, vivenciar outras realidades, como faz uma atriz – quando está representando. Na verdade, ela quis fugir. E escapar da realidade não é uma maneira saudável de lidar com ela. Achar que é possível uma vida só de prazer é caminho certo pra frustração. Querer ficar adolescente pra sempre não é uma atitude inteligente. Não dá pra fugir de rotina, de trabalho e de deveres. Quando o prazer é conquistado, e envolveu uma certa privação, é sempre muito mais valorizado por nós mesmos. Mas sempre dá pra incluir pequenos prazeres no dia-a-dia. E ficarmos orgulhosos de nossas conquistas que vieram com o esforço é o essencial pra garantirmos felicidade na vida.
Portanto, façamos tudo que estiver ao nosso alcance pra depois não sentirmos o sentimento de inveja. Não que não tenhamos que fazer concessões na vida, claro que temos. Frustrações são inevitáveis, mas não podem nos desviar do nosso projeto de vida. Quando o casamento entra na jogada, então, a coisa se complica. Conciliar sonhos é difícil. E culpar o parceiro por não termos conseguido o que queríamos é cruel. Culpar filho é mais cruel ainda. Portanto, antes de você querer atrapalhar a vida dele, porque vê-lo fazer o que você tanto queria é quase insuportável e te faz sentir raiva de você mesmo ao constatar que era, sim, possível, pense bem. Assuma a responsabilidade por sua vida. Ter filho não impede de ir pra Paris. É só questão de adaptar o sonho à realidade. Entre viver na fantasia e se resignar à realidade, há que se descobrir uma terceira via. Deixe que os sonhos sejam seu guia. Divirta-se. E tenha uma ótima viagem!

sábado, 24 de outubro de 2009

Quebrando os muros




O resultado da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) foi divulgado esses dias trazendo boas novas: a melhoria do emprego e da renda verificada até setembro de 2008 fez com que 3,8 milhões de brasileiros deixassem a linha de pobreza no ano passado. É um feito pra ser comemorado. E muito. Na comparação com 1993, o país registrou uma queda de mais da metade no percentual de pobres: naquele ano, a proporção de pobres era de 35%. Em 2008, o número registrado foi de 16%, o menor desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1992. A linha que define a pobreza é aquela que abrange uma renda domiciliar per capita de até R$ 144. Em parte, esses bons resultados estão sendo atingidos pela alta do salário mínimo, que vem se recuperando rapidamente, beneficiando milhões de pessoas no Brasil.


Pois é, são boas notícias. Ótimas, de verdade. Fico muito feliz quando vejo as pessoas tendo oportunidades. E sair da linha da pobreza é um prenúncio de maiores oportunidades. Pode significar, por exemplo, o acesso a itens ligados a status nas classes mais pobres, como celular de modelo novíssimo – ainda que dividido em 12 parcelas no crediário –, calça jeans “de marca”, cabelo liso de salão, produtos Natura e cerveja Skol na festa tão sonhada, que finalmente pode vir a acontecer. Essas coisas que fazem essas pessoas não se sentirem um zero à esquerda, que as fazem lembrar de que elas têm valor e de que trabalhar é o caminho pra conseguir o que querem dignamente.


Sem dúvida, isso é fantástico. Mas é certo que não basta. Sair da linha da pobreza e ostentar um celular zero bala é insuficiente pra comprar a aceitação dos mais endinheirados – muitas vezes, o tal celular é até motivo de deboche. Na verdade, tem um muro, de concreto, que precisa ser quebrado pros pobres entrarem no mundo do dinheiro. E não estou usando uma metáfora: o muro pode ser muro mesmo, de concreto. Como o que vai ser colocado em volta de algumas favelas e na beira da Linha Amarela, que vai dar acesso a várias atrações das Olimpíadas, no Rio de Janeiro.


Gente, isso é o cúmulo do absurdo! E ainda dão a desculpa esfarrapada que o muro em volta das favelas é pra proteger o meio ambiente do crescimento “urbano”, e que o muro em volta das favelas à beira da Linha Amarela é pra proteger os próprios moradores do barulho da rodovia!!! Tudo isso é indignante. Imaginem o que é você voltar pra sua casa na “cidade murada”. Imaginem o que essa pessoa deve sentir. Se já é humilhante ter que morar numa favela, imaginem voltar pra casa depois de um dia de trabalho num emprego que não te paga mais de um salário mínimo – que te fez sair da linha da pobreza, mas não te fez passar pro outro lado do muro –, depois de ter pegado duas conduções lotadas pra ir e duas pra voltar, e ter que atravessar o tal muro, que te separa oficialmente do mundo do dinheiro... Se essas pessoas já não tinham expressão social, ficarão cada vez mais invisíveis. Chegamos a um ponto em que a mera visão da pobreza é repugnante. Os olhos privilegiados dos moradores da cidade ficarão poupados de uma imagem perturbadora de algo que não sabemos como lidar. Preferiram, então, varrer a poeira pra baixo do tapete.... pra trás do muro. Mas se esquecem de que quando sacudirem este tapete, o risco de tudo ter ficado encardido é enorme.


Pra mim, está tudo errado. Já que o muro existe, independentemente de estar lá ou não, e de a pessoa morar na favela ou na periferia, acho que ele deve ser quebrado, e não transposto. Mas nós, do lado de cá do muro, precisamos contribuir com as ferramentas. Precisamos aceitar a ideia de que todos têm direito à ascensão social, e de que isso não vai nos ameaçar. Acho que esse é o calo da burguesia, é o ponto nevrálgico da questão. De maneira geral, a pobreza é ligada à subserviência, à prestação de serviços pesados, à condição subalterna. O que poderia acontecer se não existisse mais pobreza? Primeiro, teríamos que pôr a mão na massa, porque o leque de opções de emprego passaria a ser maior, principalmente por causa do maior acesso à educação – patroas, tremei!!! Depois, não poderíamos exercer nossa sede de poder, e mandar e desmandar à vontade, porque as pessoas poderiam escolher mais os empregos, sem ter a obrigação de aceitarem tudo caladas. E por último, teríamos que pagar um pouco mais pelos serviços que as classes pobres nos prestam hoje por um custo muito baixo. Será que tudo isso ameaça tanto?


Acho que ia acontecer é muita coisa legal, se as pessoas se tocassem que estão sendo preconceituosas e lidando com os mais pobres de forma defensiva, impedido-os, ainda que muitas vezes incoscientemente, de entrar no “nosso” mundo. Primeiro, a violência ia diminuir muito, porque se sentir rejeitado é ainda pior do que sentir fome: causa até guerra. Depois, a gente se sentiria muito melhor como seres humanos, sentir que estamos fazendo justiça. Não iríamos sentir tanta culpa de ter as coisas, porque estaríamos sentindo que estamos contribuindo pras pessoas que não têm poderem se sentir no direito de batalhar por elas, num ambiente menos hostil.


Enfim, e falo por experiência própria, é muito legal poder lidar com os mais pobres sem preconceito. É muito enriquecedor. Acho que todo mundo deveria fazer isso. Trocar experiências é fantástico. Perceber que você, pela simples convivência aberta com os que têm pouco dinheiro, está contribuindo pra quererem melhorar o padrão de vida, estudar, viajar e ter computador e internet. E perceber que essas pessoas também estão contribuindo pra sua vida melhorar também. Experimentem ir a uma festa na periferia. Ou passar por lá num fim de tarde de sábado, pra irem buscar sua filha que foi brincar na casa da sua mensalista, diarista ou passadeira. E aí, entrem um pouco e vão pra cozinha, que é onde as conversas mais íntimas acontecem, prosear um pouco com ela, comer um pedaço de bolo (delicioso, diga-se de passagem) enquanto as filhas pedem “altas” da brincadeira. Garanto que vai ser uma (primeira) experiência inesquecível. E vocês podem até ficar grandes amigas. Isso acontece – garanto. Neste sábado à tardinha, quando vocês dirigirem de volta pra casa, aproveitem pra entrar em outra freqüência. Tentem ver as coisas com outros olhos e vejam o lirismo da cena de vizinhos reunidos nas cadeiras colocadas nos passeios das casas, conversando numa boa e vendo os filhos brincarem na rua. Que ainda deixam a vida passar sem pressa. Que ainda conseguem sentir um grande prazer com essas coisas que não precisam de dinheiro e que, por isso, são muito mais livres que nós.


E quanto à festa, vocês vão se divertir e se emocionar. Vão perceber que a gente não precisa de muito pra ser feliz. E que quanto mais diversificado é o público, melhor é a festa.

domingo, 11 de outubro de 2009

Feminina


Eu gosto de ser mulher
Mas é um gostar melancólico
Adoro seduzir
Com qualquer ato simbólico

Gosto de ser seduzida
Mas só pra achar a saída
Gosto do olhar profano
Profundo, matreiro e cigano

Detesto ser rejeitada
Quando provoco a rejeição
Me testo, e não acerto
Quando penso que no jogo da sedução
Vale a lei do menor esforço

Ser mulher só não basta
Tem que saber preencher este não-lugar
Se reinventar

Aceitar que não ter
É a essência do feminino

Sentir a liberdade de ser etérea
De caber em qualquer destino

Aprender a ser leve
A voar
Já que não há o que carregar

Aceitar que ser mulher
É permitir a ultrapassagem
Sabendo que não adianta
Correr do próprio destino

É produzir o que não se tem
Entre sussurros
Ou quebrando os muros

É saber as delícias
De não ter que decidir sempre

É sentir muita culpa
De ter comido a maçã
Mesmo que não fosse a proibida

É querer tudo
E tudo não ser o bastante

É não querer
Querendo

É trocar até documento
Quando se assume um amor

É achar que fez tudo errado
Se ele não telefonou

É ver tudo negro
E chorar no espelho
Antes de vir o vermelho
E transformar tudo em rosa

A essência do feminino
É transmutar a falta

É transformar o não ter em poder
De dar
O corpo
A alma
O leite
A vida

É sentir que ser amada
É ter o mundo a seus pés

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Metalinguagem


Tem dias que eu quero o Sol
E minha alma se enche de luz
Quero a música
Todas as flores e cores
Com seus desejos de amores
Quero brilhar
Quero não parar

Tem dias que eu quero a Lua
Linda, cheia, misteriosa e soturna
Quero a loucura
O negro
A confusão e o caos
Quero me reduzir
Até sumir
Na mais angustiante incompreensão dos fatos

Mas tem dias que eu quero só
O primitivo
O infinito
O absoluto
A matéria-prima das estrelas

Então eu faço amor com as palavras
Pra tentar que elas me levem pro Princípio
Que, antes de tudo,
Era o Verbo

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A minha São Paulo


A minha São Paulo é muita luz
Num pano de fundo muito negro
Atiça contrastes e provoca desastres

É muito som
Muito barulho
Por nada

É muita gente
Pedindo socorro
Sozinha, perdida
No meio de tudo

Me angustia
Me alivia
Me vicia

Me convém
Me mantém
Me detém

Como ninguém

A minha São Paulo é minha só
Mas não é só minha
É só, meu

É a pergunta que não quer calar
Embora parte da resposta se ofereça
Em uma sua mesa de bar

E lá incita poesias
Produz cenografias
Altas filosofias

Me fascina
Me conduz
Ao desencontro de mim mesma

E no desencanto de mim mesma
Vislumbro novas formas de vida
Espectrais

Mostrando que a vida é isso
Cada um que corra atrás do seu lugar ao sol

Mesmo que ele esteja escondido
Atrás de um monte de concreto

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sobre deficiências, eficiências e transcendências

Queridos leitores
Esses dias recebi um e-mail que me tocou profundamente (vejam link de vídeo no final da postagem). Mostrava um casal de bailarinos fazendo um pas-de-deux. Mas tinha um detalhe: a bailarina não tinha um dos braços. E o bailarino não tinha uma das pernas. E, em seu lugar, uma muleta. E todo o seu talento e uma extraordinária força de vontade.
Fico muito impressionada como algumas pessoas especiais – e não estou me referindo só aos bailarinos em questão – que conseguem fazer poesia com a ausência. Aliás, acho que a arte é bem isso: uma forma de transcender uma ausência. Normalmente, essa falta é psicológica ou simbólica. Mas e quando a falta é também física? Sabemos que o corpo é a matéria-prima da dança. Como, então, fazê-la com um dos elementos faltantes – no caso, uma das pernas ou um dos braços? O mais surpreendente é que a dança fluía lindamente. E não provocava nenhum mal-estar no espectador, como muitos podem pensar, imaginando a cena.
Para entendermos isso, precisamos desconstruir nossa ideia do corpo. Da beleza. E, principalmente, os nossos valores. Certa vez, conheci um professor que havia sofrido um acidente que o havia deixado em uma cadeira de rodas. Ele me disse algo que nunca esqueci: deficiente, todo mundo é em alguma coisa. Só que os chamados deficientes físicos trazem consigo essa falta visível, enquanto as outras deficiências podem ser despistadas ou escondidas. E aí entra outra questão, que é sempre muito complicada, que é a de aceitar o diferente. Deus, como isso é difícil! Ser diferente, então, é absurdamente difícil. Pensando bem, ser diferente, acho que não é o problema. O problema é se sentir diferente. Palavrinha complicada, essa. Nunca fiz esse estudo, mas suponho que diferente seja muito mais usada em contextos de significado negativo. Muitas vezes, com significado próximo de bizarro. E em outras tantas, com significado sutilmente próximo a deficiente. Deficiente no sentido de déficit mesmo, de falta: claro que estamos falando do que socialmente é considerado indispensável ou desejável. Ouvimos com freqüência que fulano é diferente se usa roupas “extravagantes” – logo, falta bom gosto. Que beltrano é diferente se é tímido – logo, falta simpatia. Que sicrano é diferente se é rebelde – logo, falta juízo. E por aí vai...
A sociedade nos impõe padrões e estereótipos que são, muitas vezes, cruéis. Como aceitar nossa diferença, se antecipamos o julgamento do outro e começamos a sofrer só com a ideia de que seremos rejeitados por causa dela?
Em primeiro lugar, é urgente que façamos uma reflexão sincera sobre a diferença. Temos que ser mais complacentes. Começando por nós mesmos. Já seria um ótimo começo. Tentar não ficar de mal com as características que nos fazem sentir diferentes. Aliás, trocar diferente por singular seria fantástico. Não podemos entender a diferença como algo limitador – como deficiência. Já as dificuldades estão aí pra serem superadas. E aprendemos desde bem cedo, e sempre de maneira frustrante, que nos depararemos com elas durante toda a vida – eis o que nos torna humanos, e não divinos. Nossa busca na Terra gira em torno disso: passamos toda a vida tentando superar tais dificuldades, espelhando-nos na imagem que aprendemos da divindade. Queremos a Perfeição, e nos esforçamos por consegui-la. Na verdade, nos sentimos eficientes quando superamos o que consideramos nossas dificuldades. São sempre momentos mágicos pra nós. São lindos momentos.
Indo nessa direção, evocamos um novo conceito de beleza, que está na transcendência. Um corpo belo não precisa ser um corpo padronizado: são belíssimos os corpos dos bailarinos que superam sua dificuldade e flutuam no palco, com a ajuda de uma muleta – que eles transformam na coisa mais sutil do mundo. A alma se revela em toda a sua plenitude. E quando isso acontece, todas as coisas são belas. Transcender preconceitos, dificuldades, sentimentos ruins e tudo aquilo que nos afasta do Divino é a beleza em estado bruto.
A delicadeza dos bailarinos fazendo arte com seus membros amputados, movimentando-se no palco, foi a responsável pela beleza e magia daquele número. Naquele momento, tudo era lindo. As figuras dos bailarinos ficaram impregnadas de um grande poder. Dali pra frente, elas não se dissociarão mais de uma imagem bela e forte. No palco, as imensas dificuldades de locomoção e equilíbrio, o medo paralisante da rejeição, o conformismo e, principalmente, os preconceitos, foram transcendidos pelos bailarinos. Sem agressividade e com muita delicadeza. E com isso, um conceito foi mudado: o de que os quatro membros são imprescindíveis para a dança.
Lindo demais é ver os bailarinos acompanhando os seus parceiros, apoiando-se com firmeza e suavidade, transcendendo seus estereótipos e revelando o que de melhor há neles: a percepção de que é grandioso superar as próprias dificuldades e ajudar o outro a fazer o mesmo. A percepção de que o corpo é apenas um instrumento da alma. E lindíssimo é ver a música impulsionando esse momento, ajudando a tirar a chamada deficiência física do silêncio a que é condenada.
Por isso, amigos, prestemos atenção ao som da música: a que vem da alma. Ela tem o poder de nos impulsionar a fazer coisas antes inimagináveis. Tem o poder de nos inebriar de vontade e força, e de deixar florescerem todas as nossas potencialidades. Tem o poder de nos fazer dançar e flutuar pela vida afora. De sentirmos, mesmo que por alguns momentos, que não há mais falta. E quando a escutamos, ela nos pega pela mão e nos leva a realizar atos nobres e belos. A fazer a nossa obra. E a enxergar que estamos no mundo pra transcender as dificuldades, aprendendo a nos amar e a amar o próximo da mesma maneira.
Quando escutamos essa música, ficamos mais perto de Deus.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Carta a uma nova amiga


Minha querida

Fiquei muito pensativa a respeito de tudo que você me disse. Você me pediu uma opinião: acho que não soube expressar exatamente o que penso... Será que sei exatamente o que penso? Fico me questionando se a vida nos dá o direito de planejarmos tanto assim o rumo dos acontecimentos... É certo que temos metas e planos, mas roteiro minucioso e acabado... Ah, isso é coisa de Hollywood! E mesmo que queiramos seguir um script, o filme só fica lindo quando o diretor disse a que veio. Seguir protocolo não pode. Aliás, tenho horror de protocolo.

Fico pensando naquelas pessoas que constroem a vida da maneira mais previsível, obedecendo cegamente às regras sociais, sem questionar os porquês das coisas. Até que um dia levam uma rasteira da vida, e acabam manifestando no corpo essa amargura, desenvolvendo alguma doença psicossomática – ou até mesmo um câncer – porque os outros não foram tão generosos com elas quanto elas achavam que mereciam... Eleger como prioridade agradar os outros, corresponder às expectativas criadas tem um preço muito alto. Agindo assim, é inevitável a sensação de que a contabilidade não fecha... A sensação sempre vai ser a de muito mais ter dado do que recebido. Atender sempre às expectativas sociais é sufocante. Acho que é preciso rever conceitos, valores, e procurar no seu íntimo o que você acha que quer. É preciso historicizar as coisas... Desnaturalizar conceitos engessantes.
Quem é a sociedade? O que ela te oferece? O que ela quer de você? Até que ponto você internalizou a voz social a ponto de confundi-la com a própria voz? Quem são as pessoas que te acanham e de cujas supostas críticas você quer fugir, que corporificam a voz social? Repare que, posso apostar, essas pessoas nas quais você está pensando (não as conheço, mas arrisco um palpite...) ou abriram mão da felicidade há algum tempo, ou a procuram de uma maneira um pouco torta.
Permita-se!
Estereótipos não costumam funcionar muito na vida real... São comuníssimos os casos em que o príncipe não passa de uma bruxa disfarçada. E elas fazem isso...

Príncipe é príncipe pela nobreza da alma... E príncipe de verdade sempre quer uma princesa, mesmo que demorem um pouco pra admitir isso... Desconfie dos tipos que não querem se envolver. Príncipe que é príncipe não vai te encastelar numa torre, e entrar nela às escondidas, porque assim ninguém vê. Príncipe que é príncipe faz uma longa caminhada, sai das armadilhas, mata dragões, te tira da torre e te leva pro mundo. Mas pra enxergar a verdadeira realeza você não pode distrair: tem que estar esperta e atenta.
A bruxa disfarçada é cheia de armadilhas: ela vai te seduzir muito mais. Ela tem o poder de captar exatamente o que você quer, e corporifica tudo isso. Vai querer o que há de mais precioso em você, e sua beleza e sua juventude. Mas não se iluda: ela não quer trocar nada. Ela nem tem o que trocar: é vazia por dentro. Ela é meio vampira, e te usa pra se fortalecer. Conseguiu, ela evapora... E ainda te deixa com cara de tacho, achando que você não foi competente o suficiente pra conseguir despertar no seu príncipe encantado o desejo de amor eterno. Não entre nessa! É uma armadilha. É que a bruxa é a representante da sociedade: uma precisa da outra pra viver.
Já o príncipe... É mestre em clarear caminhos. Vai fazer de você uma mulher. Vai te fazer sentir tão amada, que vai ser possível entender que todo o investimento que ele faz é pra ter o prazer de sua companhia. Que a troca que ele quer é afetiva. Que, essencialmente, ele quer perceber que não está só. Ele não quer que você se anule, que perca sua individualidade nem que viva em função dele: ele só quer se sentir amado. Às vezes, pode ser meio inseguro, mas sempre está disposto a entender. O príncipe, quando vira rei, então, é uma joia lapidada e rara: é investimento com altíssimas probabilidades de valorização em escala crescente. Talvez a única coisa que precise seja um polimento – e isso você pode fazer – pra devolver a ele o brilho: é que, pelas necessidades de se proteger do perigo de uma eventual quebra, já que as quedas em mãos erradas foram muitas, ele procurou se esconder em lugares empoeirados, e acreditou ter perdido o esplendor de outrora...
Bobagem: quem é rei nunca perde a majestade.
E lembre-se sempre: qualquer que seja sua escolha, você terá perdas e ganhos. Isso é inevitável. O que acho que conta mais é o momento que você está vivendo. Já está cansando de usar o esmalte preto? Pode colocar a pedra preciosa no dedo. Vai compor perfeitamente, sem o esmalte ofuscar a joia.
Mas, minha amiga, se o branco ainda não voltou às suas mãos, talvez seja o momento de surtar com os pseudo-príncipes. Eles vão te dar o que você procura. E vai fundo, sem culpa. Assuma o seu momento plebeia – mas só se isso for seu desejo verdadeiro, e não pra atender uma cobrança da “amiga” que precisa de companhia para a balada.
Mas depois, quando você começar a chegar em casa péssima porque está se sentindo desvalorizada e só, lembre-se de tudo isso.
E deixe que o branco invada a sua vida.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Urbi et orbi



Queridos leitores
Este blog surgiu da profunda necessidade e da urgência em me fazer ouvir. Vem dos subterrâneos da vontade da escrita: alguns hão de saber exatamente do que estou falando. Certas coisas não podem se calar. E estou aqui, agora, tentando bravamente evitar o medo da crítica e, pior, do ridículo. Resolvi parar de deixar essa força me paralisar: já adiei muito este encontro com as palavras e com o mundo.
Urbi et orbi (pros que não sabem, esta expressão em latim quer dizer à cidade e ao mundo, e é falada pelo papa nas bênçãos de Natal e Páscoa) pareceu dar o tom exato do que pensei pra este espaço: evoca o discurso religioso, subvertendo-o. Aliás, é justamente isso que quero: a subversão e a nova versão – quem sabe, o verso? Vindo em prosa, melhor. Quero falar poesia. Quero, então, que a poesia seja a matéria prima da subversão – o meu texto. Com ele, construo o meu mundo. Abençoado.
Fiquei me perguntando: por que justamente o discurso religioso? Acho, sinceramente, que o autor se quer divino, já que criador e, portanto, imortal: ars longa, vita brevis. No texto, me encontro, me refaço e faço o mundo.
Quero, enfim, que este espaço seja útil pra mim, já que vou tentar fazer dele um canal pra construir algo novo, e instigante ou prazeroso pros que vierem comigo nesta aventura, me dando a honra de sua companhia. O convite está feito.
Gostaria, então, de me apresentar:
Sou aquela que clama pela explosão dos sentidos. Pela metáfora. Pela substância. Sou aquela que vê a beleza e que se quer una a ela: sou Izabella. Sou aquela que persegue a natureza em estado bruto, mas que acredita que certas sutilezas sejam urgentes para acalmá-la: sou mulher. Sou aquela que acolhe, que alimenta e que exagera: sou mãe. Sou aquela que fala e aquela que cala: sou humana. Sou aquela que quer: eu existo. Tenho sede de liberdade e fome de chão: sou contradição. Sou toda emoção. Sou hormônios, e ternura, e confusão: sou paixão. Anseio pela decomposição das partes, e pela sua reunificação: sou análise e síntese. Acredito que, de alguma forma, devemos transcender a realidade: eu levito. Sou uma obra aberta: eu escrevo.
E, como tenho uma energia solar, mas me escondo sempre atrás da lua que há em mim, resolvi me fundir: não posso mais fugir deste encontro. Quero a força deste eclipse para, por alguns segundos, tentar clarear os meus caminhos: tenho a intuição de que não poderia ser melhor momento para plantar palavras. E as quero todas, inteiras, lancinantes, disponíveis, sedutoras. Mais: quero seduzi-las. Quero me unir a elas: quero o texto. Quero que elas me ajudem a dizer quem sou. De onde vim. Pra onde vou. Quero transformá-las em beleza e energia: quero a poesia. Quero sentir que, através delas, eu não sinto falta de nada: quero poder.
E é justamente neste ponto, que teima em não se querer final, que pensei na produção de um blog, que aliviasse a minha cabeça indomável e alimentasse minha alma. A minha proposta é fazer daqui um espaço múltiplo, em que semanalmente sejam expostos meus pontos de vista sobre determinado assunto. Não quero me comprometer com formas: acredito que estas serão mutantes, dependendo do assunto e do propósito. Gostaria, muito, de poder transformar este blog em um espaço interativo com os leitores, de alguma maneira que, estou certa, construiremos juntos. Em linhas gerais, quero dizer o que está dentro de mim, e dizer sobre o que está acontecendo ao meu redor. Ou seja, quero que este espaço não se esquive em tratar de assuntos vários e atuais. Acho, enfim, que a “cara” do blog vai vir com o tempo. Temos aqui a semente do que pode vir a ser. Hoje, apenas me contento, humildemente, em plantar palavras. Se se transformarem na árvore proibida, tanto melhor. Quem sabe aqui a gente não consegue reinventar o mundo...