quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A minha São Paulo


A minha São Paulo é muita luz
Num pano de fundo muito negro
Atiça contrastes e provoca desastres

É muito som
Muito barulho
Por nada

É muita gente
Pedindo socorro
Sozinha, perdida
No meio de tudo

Me angustia
Me alivia
Me vicia

Me convém
Me mantém
Me detém

Como ninguém

A minha São Paulo é minha só
Mas não é só minha
É só, meu

É a pergunta que não quer calar
Embora parte da resposta se ofereça
Em uma sua mesa de bar

E lá incita poesias
Produz cenografias
Altas filosofias

Me fascina
Me conduz
Ao desencontro de mim mesma

E no desencanto de mim mesma
Vislumbro novas formas de vida
Espectrais

Mostrando que a vida é isso
Cada um que corra atrás do seu lugar ao sol

Mesmo que ele esteja escondido
Atrás de um monte de concreto

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sobre deficiências, eficiências e transcendências

Queridos leitores
Esses dias recebi um e-mail que me tocou profundamente (vejam link de vídeo no final da postagem). Mostrava um casal de bailarinos fazendo um pas-de-deux. Mas tinha um detalhe: a bailarina não tinha um dos braços. E o bailarino não tinha uma das pernas. E, em seu lugar, uma muleta. E todo o seu talento e uma extraordinária força de vontade.
Fico muito impressionada como algumas pessoas especiais – e não estou me referindo só aos bailarinos em questão – que conseguem fazer poesia com a ausência. Aliás, acho que a arte é bem isso: uma forma de transcender uma ausência. Normalmente, essa falta é psicológica ou simbólica. Mas e quando a falta é também física? Sabemos que o corpo é a matéria-prima da dança. Como, então, fazê-la com um dos elementos faltantes – no caso, uma das pernas ou um dos braços? O mais surpreendente é que a dança fluía lindamente. E não provocava nenhum mal-estar no espectador, como muitos podem pensar, imaginando a cena.
Para entendermos isso, precisamos desconstruir nossa ideia do corpo. Da beleza. E, principalmente, os nossos valores. Certa vez, conheci um professor que havia sofrido um acidente que o havia deixado em uma cadeira de rodas. Ele me disse algo que nunca esqueci: deficiente, todo mundo é em alguma coisa. Só que os chamados deficientes físicos trazem consigo essa falta visível, enquanto as outras deficiências podem ser despistadas ou escondidas. E aí entra outra questão, que é sempre muito complicada, que é a de aceitar o diferente. Deus, como isso é difícil! Ser diferente, então, é absurdamente difícil. Pensando bem, ser diferente, acho que não é o problema. O problema é se sentir diferente. Palavrinha complicada, essa. Nunca fiz esse estudo, mas suponho que diferente seja muito mais usada em contextos de significado negativo. Muitas vezes, com significado próximo de bizarro. E em outras tantas, com significado sutilmente próximo a deficiente. Deficiente no sentido de déficit mesmo, de falta: claro que estamos falando do que socialmente é considerado indispensável ou desejável. Ouvimos com freqüência que fulano é diferente se usa roupas “extravagantes” – logo, falta bom gosto. Que beltrano é diferente se é tímido – logo, falta simpatia. Que sicrano é diferente se é rebelde – logo, falta juízo. E por aí vai...
A sociedade nos impõe padrões e estereótipos que são, muitas vezes, cruéis. Como aceitar nossa diferença, se antecipamos o julgamento do outro e começamos a sofrer só com a ideia de que seremos rejeitados por causa dela?
Em primeiro lugar, é urgente que façamos uma reflexão sincera sobre a diferença. Temos que ser mais complacentes. Começando por nós mesmos. Já seria um ótimo começo. Tentar não ficar de mal com as características que nos fazem sentir diferentes. Aliás, trocar diferente por singular seria fantástico. Não podemos entender a diferença como algo limitador – como deficiência. Já as dificuldades estão aí pra serem superadas. E aprendemos desde bem cedo, e sempre de maneira frustrante, que nos depararemos com elas durante toda a vida – eis o que nos torna humanos, e não divinos. Nossa busca na Terra gira em torno disso: passamos toda a vida tentando superar tais dificuldades, espelhando-nos na imagem que aprendemos da divindade. Queremos a Perfeição, e nos esforçamos por consegui-la. Na verdade, nos sentimos eficientes quando superamos o que consideramos nossas dificuldades. São sempre momentos mágicos pra nós. São lindos momentos.
Indo nessa direção, evocamos um novo conceito de beleza, que está na transcendência. Um corpo belo não precisa ser um corpo padronizado: são belíssimos os corpos dos bailarinos que superam sua dificuldade e flutuam no palco, com a ajuda de uma muleta – que eles transformam na coisa mais sutil do mundo. A alma se revela em toda a sua plenitude. E quando isso acontece, todas as coisas são belas. Transcender preconceitos, dificuldades, sentimentos ruins e tudo aquilo que nos afasta do Divino é a beleza em estado bruto.
A delicadeza dos bailarinos fazendo arte com seus membros amputados, movimentando-se no palco, foi a responsável pela beleza e magia daquele número. Naquele momento, tudo era lindo. As figuras dos bailarinos ficaram impregnadas de um grande poder. Dali pra frente, elas não se dissociarão mais de uma imagem bela e forte. No palco, as imensas dificuldades de locomoção e equilíbrio, o medo paralisante da rejeição, o conformismo e, principalmente, os preconceitos, foram transcendidos pelos bailarinos. Sem agressividade e com muita delicadeza. E com isso, um conceito foi mudado: o de que os quatro membros são imprescindíveis para a dança.
Lindo demais é ver os bailarinos acompanhando os seus parceiros, apoiando-se com firmeza e suavidade, transcendendo seus estereótipos e revelando o que de melhor há neles: a percepção de que é grandioso superar as próprias dificuldades e ajudar o outro a fazer o mesmo. A percepção de que o corpo é apenas um instrumento da alma. E lindíssimo é ver a música impulsionando esse momento, ajudando a tirar a chamada deficiência física do silêncio a que é condenada.
Por isso, amigos, prestemos atenção ao som da música: a que vem da alma. Ela tem o poder de nos impulsionar a fazer coisas antes inimagináveis. Tem o poder de nos inebriar de vontade e força, e de deixar florescerem todas as nossas potencialidades. Tem o poder de nos fazer dançar e flutuar pela vida afora. De sentirmos, mesmo que por alguns momentos, que não há mais falta. E quando a escutamos, ela nos pega pela mão e nos leva a realizar atos nobres e belos. A fazer a nossa obra. E a enxergar que estamos no mundo pra transcender as dificuldades, aprendendo a nos amar e a amar o próximo da mesma maneira.
Quando escutamos essa música, ficamos mais perto de Deus.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Carta a uma nova amiga


Minha querida

Fiquei muito pensativa a respeito de tudo que você me disse. Você me pediu uma opinião: acho que não soube expressar exatamente o que penso... Será que sei exatamente o que penso? Fico me questionando se a vida nos dá o direito de planejarmos tanto assim o rumo dos acontecimentos... É certo que temos metas e planos, mas roteiro minucioso e acabado... Ah, isso é coisa de Hollywood! E mesmo que queiramos seguir um script, o filme só fica lindo quando o diretor disse a que veio. Seguir protocolo não pode. Aliás, tenho horror de protocolo.

Fico pensando naquelas pessoas que constroem a vida da maneira mais previsível, obedecendo cegamente às regras sociais, sem questionar os porquês das coisas. Até que um dia levam uma rasteira da vida, e acabam manifestando no corpo essa amargura, desenvolvendo alguma doença psicossomática – ou até mesmo um câncer – porque os outros não foram tão generosos com elas quanto elas achavam que mereciam... Eleger como prioridade agradar os outros, corresponder às expectativas criadas tem um preço muito alto. Agindo assim, é inevitável a sensação de que a contabilidade não fecha... A sensação sempre vai ser a de muito mais ter dado do que recebido. Atender sempre às expectativas sociais é sufocante. Acho que é preciso rever conceitos, valores, e procurar no seu íntimo o que você acha que quer. É preciso historicizar as coisas... Desnaturalizar conceitos engessantes.
Quem é a sociedade? O que ela te oferece? O que ela quer de você? Até que ponto você internalizou a voz social a ponto de confundi-la com a própria voz? Quem são as pessoas que te acanham e de cujas supostas críticas você quer fugir, que corporificam a voz social? Repare que, posso apostar, essas pessoas nas quais você está pensando (não as conheço, mas arrisco um palpite...) ou abriram mão da felicidade há algum tempo, ou a procuram de uma maneira um pouco torta.
Permita-se!
Estereótipos não costumam funcionar muito na vida real... São comuníssimos os casos em que o príncipe não passa de uma bruxa disfarçada. E elas fazem isso...

Príncipe é príncipe pela nobreza da alma... E príncipe de verdade sempre quer uma princesa, mesmo que demorem um pouco pra admitir isso... Desconfie dos tipos que não querem se envolver. Príncipe que é príncipe não vai te encastelar numa torre, e entrar nela às escondidas, porque assim ninguém vê. Príncipe que é príncipe faz uma longa caminhada, sai das armadilhas, mata dragões, te tira da torre e te leva pro mundo. Mas pra enxergar a verdadeira realeza você não pode distrair: tem que estar esperta e atenta.
A bruxa disfarçada é cheia de armadilhas: ela vai te seduzir muito mais. Ela tem o poder de captar exatamente o que você quer, e corporifica tudo isso. Vai querer o que há de mais precioso em você, e sua beleza e sua juventude. Mas não se iluda: ela não quer trocar nada. Ela nem tem o que trocar: é vazia por dentro. Ela é meio vampira, e te usa pra se fortalecer. Conseguiu, ela evapora... E ainda te deixa com cara de tacho, achando que você não foi competente o suficiente pra conseguir despertar no seu príncipe encantado o desejo de amor eterno. Não entre nessa! É uma armadilha. É que a bruxa é a representante da sociedade: uma precisa da outra pra viver.
Já o príncipe... É mestre em clarear caminhos. Vai fazer de você uma mulher. Vai te fazer sentir tão amada, que vai ser possível entender que todo o investimento que ele faz é pra ter o prazer de sua companhia. Que a troca que ele quer é afetiva. Que, essencialmente, ele quer perceber que não está só. Ele não quer que você se anule, que perca sua individualidade nem que viva em função dele: ele só quer se sentir amado. Às vezes, pode ser meio inseguro, mas sempre está disposto a entender. O príncipe, quando vira rei, então, é uma joia lapidada e rara: é investimento com altíssimas probabilidades de valorização em escala crescente. Talvez a única coisa que precise seja um polimento – e isso você pode fazer – pra devolver a ele o brilho: é que, pelas necessidades de se proteger do perigo de uma eventual quebra, já que as quedas em mãos erradas foram muitas, ele procurou se esconder em lugares empoeirados, e acreditou ter perdido o esplendor de outrora...
Bobagem: quem é rei nunca perde a majestade.
E lembre-se sempre: qualquer que seja sua escolha, você terá perdas e ganhos. Isso é inevitável. O que acho que conta mais é o momento que você está vivendo. Já está cansando de usar o esmalte preto? Pode colocar a pedra preciosa no dedo. Vai compor perfeitamente, sem o esmalte ofuscar a joia.
Mas, minha amiga, se o branco ainda não voltou às suas mãos, talvez seja o momento de surtar com os pseudo-príncipes. Eles vão te dar o que você procura. E vai fundo, sem culpa. Assuma o seu momento plebeia – mas só se isso for seu desejo verdadeiro, e não pra atender uma cobrança da “amiga” que precisa de companhia para a balada.
Mas depois, quando você começar a chegar em casa péssima porque está se sentindo desvalorizada e só, lembre-se de tudo isso.
E deixe que o branco invada a sua vida.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Urbi et orbi



Queridos leitores
Este blog surgiu da profunda necessidade e da urgência em me fazer ouvir. Vem dos subterrâneos da vontade da escrita: alguns hão de saber exatamente do que estou falando. Certas coisas não podem se calar. E estou aqui, agora, tentando bravamente evitar o medo da crítica e, pior, do ridículo. Resolvi parar de deixar essa força me paralisar: já adiei muito este encontro com as palavras e com o mundo.
Urbi et orbi (pros que não sabem, esta expressão em latim quer dizer à cidade e ao mundo, e é falada pelo papa nas bênçãos de Natal e Páscoa) pareceu dar o tom exato do que pensei pra este espaço: evoca o discurso religioso, subvertendo-o. Aliás, é justamente isso que quero: a subversão e a nova versão – quem sabe, o verso? Vindo em prosa, melhor. Quero falar poesia. Quero, então, que a poesia seja a matéria prima da subversão – o meu texto. Com ele, construo o meu mundo. Abençoado.
Fiquei me perguntando: por que justamente o discurso religioso? Acho, sinceramente, que o autor se quer divino, já que criador e, portanto, imortal: ars longa, vita brevis. No texto, me encontro, me refaço e faço o mundo.
Quero, enfim, que este espaço seja útil pra mim, já que vou tentar fazer dele um canal pra construir algo novo, e instigante ou prazeroso pros que vierem comigo nesta aventura, me dando a honra de sua companhia. O convite está feito.
Gostaria, então, de me apresentar:
Sou aquela que clama pela explosão dos sentidos. Pela metáfora. Pela substância. Sou aquela que vê a beleza e que se quer una a ela: sou Izabella. Sou aquela que persegue a natureza em estado bruto, mas que acredita que certas sutilezas sejam urgentes para acalmá-la: sou mulher. Sou aquela que acolhe, que alimenta e que exagera: sou mãe. Sou aquela que fala e aquela que cala: sou humana. Sou aquela que quer: eu existo. Tenho sede de liberdade e fome de chão: sou contradição. Sou toda emoção. Sou hormônios, e ternura, e confusão: sou paixão. Anseio pela decomposição das partes, e pela sua reunificação: sou análise e síntese. Acredito que, de alguma forma, devemos transcender a realidade: eu levito. Sou uma obra aberta: eu escrevo.
E, como tenho uma energia solar, mas me escondo sempre atrás da lua que há em mim, resolvi me fundir: não posso mais fugir deste encontro. Quero a força deste eclipse para, por alguns segundos, tentar clarear os meus caminhos: tenho a intuição de que não poderia ser melhor momento para plantar palavras. E as quero todas, inteiras, lancinantes, disponíveis, sedutoras. Mais: quero seduzi-las. Quero me unir a elas: quero o texto. Quero que elas me ajudem a dizer quem sou. De onde vim. Pra onde vou. Quero transformá-las em beleza e energia: quero a poesia. Quero sentir que, através delas, eu não sinto falta de nada: quero poder.
E é justamente neste ponto, que teima em não se querer final, que pensei na produção de um blog, que aliviasse a minha cabeça indomável e alimentasse minha alma. A minha proposta é fazer daqui um espaço múltiplo, em que semanalmente sejam expostos meus pontos de vista sobre determinado assunto. Não quero me comprometer com formas: acredito que estas serão mutantes, dependendo do assunto e do propósito. Gostaria, muito, de poder transformar este blog em um espaço interativo com os leitores, de alguma maneira que, estou certa, construiremos juntos. Em linhas gerais, quero dizer o que está dentro de mim, e dizer sobre o que está acontecendo ao meu redor. Ou seja, quero que este espaço não se esquive em tratar de assuntos vários e atuais. Acho, enfim, que a “cara” do blog vai vir com o tempo. Temos aqui a semente do que pode vir a ser. Hoje, apenas me contento, humildemente, em plantar palavras. Se se transformarem na árvore proibida, tanto melhor. Quem sabe aqui a gente não consegue reinventar o mundo...