domingo, 29 de novembro de 2009

Foi apenas um sonho

Um jovem e uma jovem estão em um bar em uma cidadezinha. Seus olhares ávidos se cruzam e imediatamente se reconhecem, e se encantam por verem seu reflexo brilhando nos olhos do outro. A partir daí, é fácil supor o que acontece. E acontece mesmo, só que as coisas não têm um final feliz.

Se fosse hoje, poderia ser você. Ou eu. Só que a história se passa na década de 50, nos Estados Unidos. É o roteiro de “Foi apenas um sonho”, dirigido por Sam Mendes, e que esteve em cartaz nos cinemas no começo do ano. Perdi no cinema e peguei outro dia em DVD. Adorei tudo: os atores (Leonardo di Caprio e Kate Winslet) estão muito bem, revelando sinais de maturidade aliados ao vigor físico da juventude, o que confere mais força e agudeza às suas interpretações. A direção também encanta, pela precisão dos ângulos, pelos enquadramentos, pela facilidade em dizer com imagens o que poderia estar sendo dito com palavras. Mas o que me impressionou mesmo foi o roteiro.

Voltando ao começo: os jovens começam a conversar no bar, e descobrem que têm várias coisas em comum – sendo a ânsia de vida e movimento a principal delas. Ambos são irreverentes e mostram seu inconformismo com as coisas previsíveis e com as pessoas que esperam muito pouco da vida. Eles se casam e começam a ter, então, a mais tradicional das vidas de casados. O marido trabalha em um emprego maçante, mas que garante o sustento da família. A esposa é dona de casa e atriz frustrada. Vivem em uma cidadezinha entediante e têm uma rotina bastante previsível. E assim, abafando seus sonhos, eles começam a desenvolver sintomas de desgaste: o marido começa a sair com outras mulheres, a esposa começa a ser agressiva com o marido após o fracasso da peça de teatro que tenta estrelar. Ambos começam, no fundo, a acreditar que foi o casamento o assassino dos sonhos.

Só que sonhos são treteiros: eles não se amansam facilmente, e quase nunca morrem. Podem até se transformar, mudando de face de vez em quando, mas desde que sua convivência conosco seja pacífica. E como a vida real dos personagens e seus sonhos não chegaram a um acordo e estavam disputando o mesmo espaço, o sonho ganhou a briga. O casal resolve mudar. Pra Paris. Afinal, Paris é uma festa.

Então, os dois começam a ver a vida com outros olhos, de esperança e sonho, e começam a se organizar para a mudança. O casamento fica bom de novo, e os dois parecem bem felizes. No meio de tudo isso, porém, ela descobre estar grávida. Aí, seu mundo desaba. A realidade, que seria cada vez mais concreta, é que ela tinha um filho na barriga. O que fazer, então, com o sonho?

Acontece o inevitável: o marido fica sabendo da gravidez, e decide que eles não vão mais pra Paris. Como ir com 2 filhos pequenos e outro a caminho, sem garantia nem de trabalho? A esposa não agüenta tanta frustração, e cai numa profunda depressão. Desesperada, vendo seu sonho escapar e se sentido impotente, resolve fazer um aborto. Assim, nada nem ninguém iria detê-la em sua determinação de mudar de vida. Entretanto, seu marido não podia saber de seus planos, e tudo deveria sair como se o aborto tivesse sido espontâneo.

É claro que tudo dá errado: durante o aborto, que fez quando estava sozinha em casa, ela teve uma hemorragia, que não parou de jeito nenhum. E acontece o pior: ela morre.

No final, o filme deixa um nó na garganta e uma pergunta, incômoda e muitas vezes cruel: o que fazer com nossos sonhos?

Vamos por etapas. Quando somos crianças, os sonhos são postos em prática: brincamos de ser. Somos quem queremos ser. À medida que vamos crescendo, percebemos que há possibilidades reais de sermos quem queremos ser: é aquela fase mágica, de ouro, quando começamos a tomar providências pra transformar os sonhos em realidade. Nessa época, sentimos que temos a vida inteira pela frente, e temos a certeza de que tudo vai sair como queremos. Até que um dia entramos no mundo dos adultos, quase sempre ainda sem a vida ter nos transformado em um deles. Percebemos que as coisas nem sempre são do jeito que queremos que sejam. Percebemos que entre a realidade e o sonho existe uma distância considerável. E nem sempre nos sentimos aptos a minimizar essa distância.

Então, muitos entram por um caminho desastroso: tentam se convencer que sonho é antônimo de realidade, sendo, portanto, uma bobagem levá-lo em consideração. Ficam com medo de não conseguirem realizar suas vontades, e entram para o caminho do comodismo – o que, aliás, é bem tentador. Quem nunca se viu tentado a abandonar a faculdade, a se mudar de cidade ou a largar o emprego quando sabiam estar percorrendo o caminho do sonho, só porque percebeu que as dificuldades eram muitas? Só que o prazer de se contentar com o que é cômodo e fácil é só imediato. No médio prazo, as coisas se complicam muito. E começam as implicâncias e amarguras. Se você queria ser atriz e não tentou o bastante, até Meryl Streep, pensando bem, não é tão boa assim: teve foi sorte, isso sim. Se você queria ter se separado e não se separou por covardia, todas as mulheres divorciadas são umas devassas inconseqüentes. Se você queria ter tido um filho e não foi fundo na ideia, que importância tem? Afinal, criança cresce e a gente fica sozinha do mesmo jeito.... Mas infelizmente, a mágoa no peito só tende a aumentar, e vira quase um buraco negro. Vai sugando toda a energia boa dos outros, e a pessoa começa a ficar muito incomodada com a felicidade alheia, e tenta fingir se esquecer de que para conseguir chegar aonde chegaram, tiveram um caminho difícil a percorrer. Essas pessoas alvo da inveja fizeram o caminho inverso: se privaram de muitas coisas no curto prazo, em nome de uma sensação duradoura de felicidade.

Esse, aliás, é, de todos os caminhos, o único indicado. É garantia de um olhar mais terno pro mundo, incluindo a própria vida e a dos outros. E pode ter certeza de que, se não der certo, é porque você não quis tanto assim. E aí, uma boa análise resolve bem, e te ajuda a convencer que o que você quis foi a vida que você tem. Se a gente deseja algo do fundo do coração, a gente só não consegue se algum decreto cármico determinar que aquele caminho não é o seu. É claro que não dá pra realizar um sonho integralmente, e que muitas vezes a realidade é muito cruel, colocando barreiras que algumas vezes são mesmo intransponíveis. Mas até nesses casos, o que importa é sentir que estamos seguindo em frente. E ver o que é essencial em cada sonho. Claro que se a pessoa sofre uma forte limitação física muitas vezes não dá pra ser bailarina, mas se a dança desperta mesmo uma paixão tão grande, não precisa abrir mão dela. É possível adaptar as coisas. Quem sabe não dá pra ser coreógrafa? Trabalhar com pesquisa ligada à dança? Ser crítico de dança? Escrever um blog sobre o assunto? Enfim, não dá pra não tentar ser feliz. A vida sempre joga nossa covardia na cara.

No filme, o preço pago pela protagonista por ter sufocado seus sonhos e se contentado com o papel de esposa foi muito alto. A certa altura, a esposa se sentiu tão sufocada, que quis trocar a realidade pelo sonho sem escalas. Aliás, pela fantasia. Ela quis ser outra pessoa, ter outra vida, vivenciar outras realidades, como faz uma atriz – quando está representando. Na verdade, ela quis fugir. E escapar da realidade não é uma maneira saudável de lidar com ela. Achar que é possível uma vida só de prazer é caminho certo pra frustração. Querer ficar adolescente pra sempre não é uma atitude inteligente. Não dá pra fugir de rotina, de trabalho e de deveres. Quando o prazer é conquistado, e envolveu uma certa privação, é sempre muito mais valorizado por nós mesmos. Mas sempre dá pra incluir pequenos prazeres no dia-a-dia. E ficarmos orgulhosos de nossas conquistas que vieram com o esforço é o essencial pra garantirmos felicidade na vida.
Portanto, façamos tudo que estiver ao nosso alcance pra depois não sentirmos o sentimento de inveja. Não que não tenhamos que fazer concessões na vida, claro que temos. Frustrações são inevitáveis, mas não podem nos desviar do nosso projeto de vida. Quando o casamento entra na jogada, então, a coisa se complica. Conciliar sonhos é difícil. E culpar o parceiro por não termos conseguido o que queríamos é cruel. Culpar filho é mais cruel ainda. Portanto, antes de você querer atrapalhar a vida dele, porque vê-lo fazer o que você tanto queria é quase insuportável e te faz sentir raiva de você mesmo ao constatar que era, sim, possível, pense bem. Assuma a responsabilidade por sua vida. Ter filho não impede de ir pra Paris. É só questão de adaptar o sonho à realidade. Entre viver na fantasia e se resignar à realidade, há que se descobrir uma terceira via. Deixe que os sonhos sejam seu guia. Divirta-se. E tenha uma ótima viagem!

Um comentário:

  1. Adaptar o sonho à realidade é uma tarefa fantástica. Fico questionando como viver a realidade de um sonho que jamais ousei ter por considerar um completo devaneio. Viver ao seu lado....!! Obrigado por vc existir na minha vida.
    Bju.
    Sergio

    ResponderExcluir